quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A Moura do Algoso

A Moura do Algoso


Terras trasmontanas, onde o chão, para melhor subir nas alturas do ceo, se ondeia, revolve, enovella em montes, até dar o salto mortal para as serranias enormes: ahi fica a villa do Algoso.
Está em terras de Vimioso, que a voz do povo reune a Miranda-do-Douro, cantando e rindo de troça:

Caçarelhas já foi villa,
Miranda nobre cidade,
Vimioso ladroeira,
Como toda a gente sabe.

Era o Algoso velha alcaidaria-mór da comarca de Miranda, enterrada entre as Serras de Bornes e Nogueira a todo o Poente, e as Serras de Roboredo e Cimas-de-Mogadouro para Sul e Nascente. Vê-se como será movediço este chão, que liga as duas imponentes linhas de alturas rochosas e agrestes. Correm entre estes macissos dois rios, o Mação que vae desaguar no Sabor, e o Angueira que abaixo do Algoso se mette no Mação.
Lá para cima é Bragança, no seu throno lendario que domina todo o districto; ao Nascente é a antiga cidade de Miranda, honesta e humilde na sua decrepitude sympathica de mumia. E’ rude o povo quando lhe diz: — Se fôres a Miranda, vê a Sé e anda.

*

Sobem montes, descem precipicios, sobem outros montes mais altos, e nas covas, sobranceiro ás alturas, esteve outrora o castello do Algoso. Para descer e ir a terras vizinhas, é longe. Tudo é longe, mau andar naquellas serras frias.

Quem quiser vêr mau caminho,
Vá de Soutello a Montezinho.

Quem quiser saber o que as legoas são,
Vá de Iseda a Santulhão.

Lá no fundo fervem, no cachão branco da espuma, as aguas geladas do Angueira, no qual vão banhar as raizes os pinhaes, que descem lentamente, cobrindo-os por completo, os montes vizinhos.

*

Havia no Algoso uma fonte ao pé de um rosal. Era simples. Uma fontezinha aldeã: da pedra do monte brotava e corria, cantante, a agua; do sulco, por onde ella descia como varinha de crystal a torcer-se, cahia num tanque pequeno de pedra, cavado rudemente por qualquer artifice da aldeia; aos lados, moutas de roseiras aromatizavam deliciosamente o recanto.
Chamavam-lhe a Fonte de S. João, porque nessa noite, uma vez ao anno, apparecia, onde vinha pentear-se, a mais linda moura de Tras-os-Montes.

*

Diz a lenda que por alli havia, no tempo dos Mouros, um bruxo de terrivel memoria.
Acudiam todos a procurá-lo, para serem curados por elle nas doenças de que desesperavam melhoras, ou para o consultarem em assumptos de interesse. Curava doenças a uns; matava outros com os remedios; enganava os que lhe pagavam os serviços, convencidos dos poderes de bruxo. Mas o certo é que tinha fama por todos os arredores.
Desciam os povos em demanda do bruxo poderoso, desde Macedo-de-Cavalleiros, Vimioso, Mogadoro e Alfandega-da-Fé, através das montanhas cheias de neve. Quantos morriam pelo caminho minados pela doença e pelas canseiras da viagem? Outros cahiamnos precipicios. Havia luctas tremendas com alcateias de lobos. E no emtanto, apesar de tudo, afluia do Freixo-de-Espada-á-Cinta, da Torre-de-Moncorvo, de Villa-Flor, de Mirandella, de Bragança. De mais longe, de Vinhaes, Valle-Passos, Murça, Carrazeda, e mais e mais.
Era uma romaria no Algoso. E o bruxo orgulhava-se da clientella. Procuravam-no pobres e ricos; e na casa de pedra negra, onde os recebia, entravam os estofos luxuosos e os pannos grosseiros. A todos elle egualava deante das suas artes magicas, porque a egualdade adoptada por elle era a do dinheiro. Todos que pagavam, seriam servidos.
Creou fama de rico e devéras o deve ter sido. O ouro corria a jorros para os arcazes de embutido.

*

Os Christãos, fortes já na sua audacia pelo numero e sobre tudo pela fé, desceram das montanhas do Norte da Peninsula e vieram de roldão por ahi abaixo contra os Mouros. O Algoso resistiu mas teve de render-se, e o bruxo desappareceu.
Quando viu tudo perdido, o bruxo não quis que os seus thesouros cahissem nas mãos dos vencedores. Tratou de os esconder. Para mais, elle não podia convencer-se do grande praso de ausencia os Mouros voltariam mais dia menos dia, e elle de novo se apossava das riquezas escondidas.
Só lhe faltava escolher o logar do esconderijo, e a unica difficuldade, se a havia, era escolher um entre tantos; mais custoso seria o trabalho de encontrar guarda para elle.
Correndo os olhos pelo contorno do castello, deu com a Fonte de S. João. Era bom sitio para se não perder, e não ficava longe. Foi-se lá com o melhor dos thesouros, que não podia transportar consigo na fuga pelos montes e precipicios. Cavou e metteu na cova o cofre de marfim, chapeado de cobre, onde guardou as joias e o ouro.
Ao voltar para casa, deu com uma rapariga, que ia á fonte, com uma cantarinha de asa esbelta. Receou que ella o tivesse visto guardar o cofre no rosal á beira da fonte, e o denunciasse. Só tinha um remedio salvador; era encantá-la. Além de se assegurar assim contra a possivel e temida denuncia, obteria de esta forma a guarda do thesouro, guarda fiel, que nada diria e a ninguem se denunciaria.
Estas duas circunstancias resolveram-no. Caminhou para a rapariga, e dizendo certa oração mysteriosa, de elle bem conhecida, fez-lhe sobre a cabeça alguns signaes cabalisticos. A rapariga desappareceu como se tivesse entrado pelo chão, e a cantarinha de barro, cahindo no solo, desfez-se em mil pedaços. Deu o bruxo uma gargalhada infernal e foi-se ao castello.
Quando os Christãos entraram no Algoso, não havia noticias do bruxo. Com a ingratidão do costume, e com o odio dos beneficiados aos autores dos beneficios, corno é dos livros e de todos os tempos, os povos das vizinhanças, que primeiro se serviram do bruxo e a elle iam pedir auxilio por caminhos difficilimos e perigosos, cahiram em massa no Algoso, para lhe assaltarem a casa e roubarem os thesouros. Já o não receavam, nem de nada lhes servia. Mas não encontram mais que a casa de pedra negra e o porco mobiliario bem conhecido de elles, afinal.

*

Que encanto déra o bruxo á rapariga do Algoso? preguntar-se-ha.
Quando lhe pôs as mãos na cabeça e lhe traçou sobre ella os signaes cabalisticos, a rapariga transformou-se immediatamente em uma grande cobra. Correu por entre o matto, em que se embrenhou, e foi para o rosal: ahi ficaria até volta do bruxo, a guardar os thesouros.
A’ volta da fonte, erguiam-se copados ulmeiros que formavam ao rosal a mais bella sombra. Por ahi vivia na sua miseria a pobre menina feita cobra. Só uma vez por anno retornava as formas humanas. Dizia-se que era linda como os amores. Alguem a tinha visto de longe, na noite de S. João vestida de branco, na sombra dos ulmeiros, como nuvemzita de neve a subir na madrugada, serenamente.

II

Andava accesa na villa a fama da moura da Fonte de S. João. Approximava-se a festa do Santo e estavam lindas de côr e fragrancia as rosas do tanque.
Um rapaz apaixonou-se pelo mysterio da pobrezita, enclausurada na sombra um anno inteiro. A noticia da sua belleza, dos vestidos brancos, e dizia que cantava como os Anjos nessa madrugada festiva, encheram-no de ansiedade.
— Hei-de vêr a moura da Fonte, — disse elle um dia, resolvendo tentar vê-la e fallar-lhe.
— Ela foge, assim que vê alguem, — informou a velha mais velha do Algoso, ao saber da decisão do rapaz.

*

Vespera de S. João. Luz no céo, fogueiras na terra. Por felicidade a noite era clara. Cantava-se na villa. Os foliões saltavam aos ranchos nas praças e quintaes, através das labaredas crepitantes das fogueiras em honra do Santo festejado.
O rapaz, quando anoiteceu, dirigiu se á Fonte. Atrás de si as cantigas faziam-lhe inveja, quereria voltar á villa, mas a vontade era maior na direcção de conseguir vêr a moura e fallar-lhe.
— Aqui não consigo nada, — pensou elle para si, ao chegar ao tanque; — a moura, mal se visse, desapparecia, e eu ficava a vêr navios.
Procurou um logar, fronteiro ao tanque, de onde podesse ver, sem logo ser visto. Estava a dez metros, debaixo de um olmo grande que o encobria do lado da fonte. Sentou-se no chão, encostado á arvore, e aguardou. Na villa os ranchos cantavam alegres, e os cantos de todos elles reuniam-se em um canto só, enorme, confuso, como cantochão num pinhal.

*

O ar ia refrescando. A atmosphera adelgaçava se, crescia, abobadava-se em luz. Pousava na terra um véo de claridades suaves. Na sineta do campanario repenicava a hora do banho santo. Pareciam vêr-se no ar as ondulações das badaladas.
De ouvido apurado, o rapaz não perdia de vista a fonte. Era á meia-noite que a moura devia de apparecer. Por isso, ao ouvir a sineta da villa, commoveu-se da sensação extraordinaria e desconhecida, que lhe embalava no vacuo os pensamentos e o corpo.
De repente ouve um restolhar no rosal. Grande cobra, uma serpente assustadora, desembocou do mattagal e, subindo ao bordo do tanque, atirou-se á agua. Chapinhou dentro da agua aquelle corpo negro e asqueroso. Três vezes mergulhou com ruido na agua. E os olhos esgazeados do rapaz viram cheios de espanto que a serpente se transformava em mulher.
— A moura! — e a vai ficou-lhe collada á garganta.
A moura sahia lentamente da agua, espannejando-se com alegria infantil de creança, que sahe do banho. Quando estava inteiramente de pé, elle viu-a vestida de urna tunica branca. Firmava os olhos, para se convencer bem de que era a moura, que via alli de pé, deante de si, pois mais lhe parecia pedaço de nevoeiro a fugir das aguas do tanque para as copas amigas dos ulmeiros.
A folhagem cerrada do arvoredo cobria com docel de penumbra a brancura alvejante da moura. As rosas ao lado, no rosal, não eram mais brancas naquella claridade baça.
O rapaz seguia-a attentamente com os olhos. Viu-a depôr na beira do tanque as escamas metallicas da pelle de cobra. Depois a moura saltou para o chão, estouvada e em azougue como collegial em ferias; os cabelos de ouro, que brilhavam em tranças grossas, cahiam-lhe pelas costas ou pousavam no hombro as madeixas macissas. Sentou-se na beira do tanque e espalhava os cabellos. Foi como se uma chuva de estrellas cahisse nella! Os hombros, o peito, a cabeça gentil, resplandeciam. Aquelle recanto sombreado transformava-se em um tabernaculo. Corria o pente de ouro nos cabellos de filigrana, lavrava-os com os dentes macios, cardava o linho de ouro para o precioso tecido com que enfeitava a cabecita.
Ia fallar-lhe o rapaz. Mas a moura principiou a cantar. A voz prendeu-o ao chão, e elle calou-se.
Deante da menina saltitou uma corça branca. Beijava-lhe os pés, corria de um canto a outro voltava a afagar-lhe os pés, calçados em babuchas de damasco azul, com bordados que brilhavam. Se alguma folha cahia, ou algum estalido mais rijo cortava o silencio circundante, logo a corça firmava as patitas elegantes e perscrutava os arredores com olhos vivos e orelhas arrebitadas.
Continuava a moura a pentear-se e a cantar. A sua voz, leve como haste de açucena, erguia-se na limpidez crystallina da madrugada; tinha doçuras e convites de campanario longínquo pelas quebradas. De vez em quando afagava com a mão meudinha a corça que lhe lambia as babuchas de damasco, pendentes da ponta dos pés.
A agua, correndo da pedra da nascente para o tanque, era a unica harmonia que acentuava o canto delicioso.

*

Ao longe ouvia-se ainda na villa o côro do banho santo. E a pouco e pouco iam adormecendo os echos. Até que, por fim, nada mais dava signal de vida, fóra do pequeno terreno onde esta scena se passava.

*

Quando acabou de se pentear, o que fez com todo o descanso de quem não tem pressa, duas tranças cahiam-lhe sobre os hombros. Emmolduravam-lhe o rosto, como essas columnazinhas que formam os nichos da Virgem. Deus nos perdoe a lembrança, mas aquella menina, moura sim, era martyr virginal, que a maldade do bruxo para alli tinha encantada sem culpa. Depois de se pôr de pé, inclinou-se para o tanque, onde a agua formava o unico espelho de que ella dispunha. Debruçou-se nas aguas. Decerto viu reflectir-se toda a belleza, que em breves momentos voltaria a esconder-se nas escamas metallicas da pelle de serpente hedionda, que a esperava. Chorou. As lagrimas corriam em fio, e soluçava. O corpo gentil agitava-se em convulsões.
Ergueu-se. Levantou as mãos como numa prece ao céo. O perfil esguiava-se naquelle vestido branco; torcia os braços nús, brancos como nevoa, e, que como nevoa pareciam subir e contorcer-se no ar.

*

Condoído, o rapaz quis então fallar-lhe e consolá-la, para o que julgou asado o momento. Não se lembrou do seu interesse. E’ verdade que elle estava ali movido mais pela curiosidade ansiosa de vêr a moura, aquella moura ali na sua frente, do que pela ideia de tirar partido interesseiro do encontro.
Diz-se que, se alguem visse a moura, nas horas para dia felizes, em que tinha forma humana, de ella conseguiria três coisas que lhe pedisse.
Não se lembrou de tal o rapaz. Penalizado pela mágoa da moura, que chorava e se lamentava, teve tentações de lhe fallar e consolar-lhe as afflicções com palavras amigas e de sympathia.
Lá estava dia de pé, á beira do tanque; as mãos, descendo do alto, vieram limpar-lhe os olhos, onde as lagrimas brilhavam como diamantes accesos. E’ o cabello de ouro coroava, aquella figura branca de açucena, com um véo luminoso.

*

Ia cantar. Sahiram-lhe da garganta as primeiras palavras de um canto de lagrimas. Que lamentações ergueria então aquelia alma? Àpproximava-se a hora de alva e ella ia desapparecer em breve.
O rapaz ergueu-se. As folhas e o matto rangeram-lhe debaixo dos pés; estalaram as hastes das hervas debaixo das mãos, em que elle se apoiava para se levantar.
A corça estacou de orelhas hirtas e pernas nervosas. A moura deteve-se. E tão depressa elle sahiu detrás da arvore, a corça fugiu com um grito e embrenhou-se no matto. O grito assustou-o e ficou a echoar-lhe no fundo dos ouvidos, com a apprehensão a apertar-lhe as fontes, comprimindo-lhe o coração com susto.
Olhou; a moura desapparecêra. Ouvia ainda o restolhar da corça no matto. A agua do tanque estava agitada, e uma nevoa, dir-se-hia de incenso, evolava-se do tanque, subindo a direito e perdendo-se nas copas dos ulmeiros.
Só as rosas do rosal estavam brancas e perfumadas como antes. E lá em baixo o Angueira batia contra os rochedos, zangado de o não deixarem passar á vontade.

FonteCHAVES, Luis, Lendas de Portugal: Contos de Mouras Encantadas, Lisboa, Livraria Universal, 1924 , p.147-160

Local Algoso, VIMIOSO, BRAGANÇA

Narrativa

Quando Séc. XX, 20s

CrençaInseguro/ N empenhado

Lenda da Fonte Santa

Lenda da Fonte Santa


Algoso tem muitas capelas. Entre elas destaca-se a capela de S. João Baptista, cuja festa se celebra no dia vinte e quatro de Junho, santo muito venerado nesta povoação. Esta capela é muito bonita e está situada numa das saídas da povoação.
Debaixo do altar sai uma nascente que dá origem à Fonte Santa, pegada à capela. A dita fonte é toda em granito, com um pátio e bancos em volta para as pessoas se sentarem. A água desta fonte não é boa para beber, pois não tem bom sabor, mas é boa para curar males de pele.
Diz-se que noutros tempos passavam por aqui muitos peregrinos, pois este sítio era considerado caminho das rotas de Santiago de Compostela. Ora, como os peregrinos chegavam com os pés doridos, iam lavá-los à Fonte Santa. Eles aproveitavam este local não só para curar as chagas, mas também para descansar.
Esta fonte e esta capela são muito antigas e as suas origens perdem-se no tempo. Uma velha lenda preza também que à “Cabeça Santa”, assim é chamada pela gente da aldeia a imagem de S. João Baptista, lhe crescia a barba sendo necessário aparar-lha. Tudo isso se transmitiu de geração em geração até aos dias de hoje, a prová-lo está a devoção dos habitantes de Algoso ao referido santo.

FonteROSÁRIO, Serafim do, Terras de Vimioso: Retalhos de Literatura Oral, [Vimioso], sem editora, s/d , p.109

Local Algoso, VIMIOSO, BRAGANÇA

ColectorAlfredo Cordeiro (M)

Narrativa

Quando Séc. XX, 90s

CrençaInseguro/ N empenhado

Lenda do Crocodilo

Lenda do Crocodilo


Era uma vez um lavrador que vivia na antiga vila de Algoso. Esse lavrador tinha um filho ainda bebé e umas terras junto ao castelo. Um dia foi lavrar as suas terras levando o filho consigo e deixando-o abrigado debaixo de uma fraga enquanto lavrava. Acabou de lavrar e foi buscar o filho, mas no lugar do filho estava um monstruoso crocodilo.
Muito aflito, o lavrador fez então uma promessa a Nossa Senhora do Castelo: se o filho saísse vivo da barriga do crocodilo, ele iria erguer ali uma capela em honra de Nossa Senhora. Pôs-se em cima do crocodilo e saltando em cima dele com toda a força que tinha e batendo-lhe com a aguilhada obrigou-o a vomitar o seu filho vivo. Finalmente matou o monstruoso animal.
Em agradecimento à Senhora, construiu então uma grandiosa capela. Ela ainda hoje está em pé, firme e bonita, e como prova do milagre, dentro da mesma lá se encontra a pele do crocodilo.

FonteROSÁRIO, Serafim do, Terras de Vimioso: Retalhos de Literatura Oral, [Vimioso], sem editora, s/d , p.108

Local Algoso, VIMIOSO, BRAGANÇA

ColectorNelson Brinço (M)
Narrativa

Quando Séc. XX, 90s

CrençaInseguro/ N empenhado

O Saca - Unhas

O Saca - Unhas


Era uma vez, há muito, muito tempo!... Na vila de Algoso, os meninos só queriam subir para a torre da igreja, pois, esta estava sempre com a porta aberta. Então, as pessoas da povoação inventaram uma história para eles não subirem à torre. Esta história dizia que a meio da torre havia uma casa pequenina e aí, num buraco vivia um bicho muito feio, chamado Saca-Unhas, pois, sacava as unhas às pessoas.
Algumas crianças acreditavam mesmo nisso e deixavam de subir à torre, porém, outros não acreditavam e continuavam a subir como dantes.
Esta história foi passando de geração em geração e ainda hoje se conta em Algoso, embora as crianças já não acreditem nessas fantasias.

FonteROSÁRIO, Serafim do, Terras de Vimioso: Retalhos de Literatura Oral, [Vimioso], sem editora, s/d , p.57

Local Algoso, VIMIOSO, BRAGANÇA

ColectorSergio Granado Fernandes (M)

Narrativa

Quando Séc. XXI,

CrençaInseguro/ N empenhado

Comércio em Algoso

En Algoso aparecen «barquetas»1 castellanas que utilizan los de Castilla para llevar, entre otras cosas, trigo portugués a sus molinos.2



1. «As parcas referencias sobre estes barquetes não permitem identificar se é um medio de transporte que se lança na água ou elevado sobre a água». 1. Vaz de FREITAS, «Linhas de comércio entre Portugal e Castelo nos finais da Idade Média», p. 89

2. Demarcações de fronteira. Lugares de Trás-os-Montes e de Erntre-Douro-e-Minho, p.41


Val Valdivieso, María Isabel del; Villanueva Zubizarreta, Olatz (2008), “Musulmanes y cristianos frente al agua en las ciudades medievales”. Acedido a 17 de Fevereiro de 2011, http://books.google.pt/books?id=9-8i_Ao_eW8C&pg=PA263&dq=Castelo+de+Algoso&hl=pt-pt&ei=eA5dTZW1GYnIhAfwgYGrCA&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=8&ved=0CEUQ6AEwBzgU#v=onepage&q=Castelo%20de%20Algoso&f=false

Cristão novos em passagem pelo castelo de Algoso

O castelo de Algoso recebeu alguns dos cristãos-novos, destinados à lnquisição de Évora. A sua estada aqui e a viagem para esta cidade, sob chuva, foi terrível, acompanhada pela fome.


Costa, Sá da (1969), Revista de história económica e social, Edições 19-21. Acedido a 17 de Fevereiro de 2011, http://books.google.pt/books?id=_1TmAAAAIAAJ&q=Castelo+de+Algoso&dq=Castelo+de+Algoso&hl=pt-pt&ei=_gtdTYCrFYexhAeBqbGqCA&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=6&ved=0CDgQ6AEwBTgK

Quadra popular

Adeus, castelo de Algoso, Sobre a ribeira de Angueira;
O castelo não é nada Sem a sua companheira.


Extracto retirado da Revista Portuguesa Mensal: Ocidente, Volume 70,Edições 333-338. Acedido a 17 de Fevereiro de 2011, http://books.google.pt/books?id=BARYAAAAIAAJ&q=Castelo+de+Algoso&dq=Castelo+de+Algoso&hl=pt-pt&ei=_gtdTYCrFYexhAeBqbGqCA&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=5&ved=0CDUQ6AEwBDgK






Quadra sobre Algoso e seu castelo


Adeus, adeus ó Algoso, Tens castelo e pelourico;
Eu já não falo contigo, Com a vontade me fico.



Extracto retirado da Revista Portuguesa Mensal: Ocidente, Volume 70,Edições 333-338. Acedido a 17 de Fevereiro de 2011, http://books.google.pt/books?ei=bPpcTYGkEdeqhAfmvuipCA&ct=result&hl=pt-pt&id=wd4ZAAAAMAAJ&dq=Castelo+de+Algoso&q=Castelo+de+Algoso#search_anchor




Desertificação de Algoso a partir de meádos do Séc. XIV



Apesar de apenas registado em fundo através da vista Oeste do castelo de Mogadouro, o castelo de Algoso consta do Livro das Fortalezas, pelo que não oferece qualquer dúvida a sua existencia física no espaço fronteiriço transmontano mas, como afirma Gomes (2003, p. 145), “A localidade medieval que correspondia a esta comenda manifestou uma tendência a desertificação a partir do século XIV”. Este castelo, sede de uma comenda dos Hospitalários desde o séc. XIII, remonta ao séc. XII e caracteriza-se por uma torre de menagem heptagonal que assenta de forma directa sobre um afloramento rochoso, apresentando várias fenestrações, uma delas munida de um balcão com matacães cobrindo a entrada do recinto, o que indicia uma utilização simultaneamente militar e residencial, como se pode comprovar pela leitura das Actas de Numeramento dos moradores de Trás-os-Montes de 1530, a que Gomes (2003, p. 148) igualmente faz alusão através de Anselmo Braamcamp Freire (1909, p. 264):


“A villa d'Algoso tem hu castello, onde nam vyve senam o alcaide (...)”


Correia, Luís Miguel (2010), "Castelos em Portugal. Retrato do seu perfil arquitectónico (1509-1949) ". Acedido a 17 de Fevereiro de 2011, http://books.google.pt/books?id=NvrKKADg2M4C&pg=PA95&dq=Castelo+de+Algoso&hl=pt-pt&ei=bPpcTYGkEdeqhAfmvuipCA&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=4&ved=0CC8Q6AEwAw#v=onepage&q=Algoso&f=false



quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Da origem e estabelecimento da inquisição em Portugal (Algoso)


Um dos mais incansaveis Nembroths, dos mais rudes caçadores de homens, que a Inquisição teve nos primeiros tempos de sua existencia, foi um certo Francisco Gil. Este miseravel tinha começado a carreira dos seus crimes pelo assassinio do genro de um mercador honrado de Lisboa, assassinio perpetrado publicamente no meio da Rua-nova2.

Revestido do cargo de sollicitador do tribunal da fé, Francisco Gil foi enviado pelas provincias a descubrir os sectarios occultos do judaismo. A empreza podia ser odiosa; mas não era nem arriscada nem difficil. O activo agente achou logo um melhodo efficaz e simples de obter avultada colheita. Chegando a qualquer logar onde residissem christaos-novos, mandava annunciar que em tal igreja se havia de fazer uma festa e procissão solemne. Corria o povo ao templo no dia assignalado. Então elle mandava fechar as portas e em nome da Inquisição intimava aos fiéis, debaixo das mais terriveis excommunhões, que, se no meio delles estavam alguns judeus occultos, os bons christãos lh'os indicassem1. Então os desgraçados reprobos do povo eram mandados pôr á parte, e d'alli conduzidos para a cadeia á ordem dos Inquisidores.

No seu gyro o implacavel commissario chegou a Miranda do Douro, e esse districto pa

l «quod quaecumque persona ibi cognoverit christianum novutn, ostendat illum:" (Ibid. fol. 312.) E evidentemente uma exaggeração de phrase. Gil não podia exigir que lhe indicassem os christaos-novos para os prender, mas sim os christãos-novos suspeitos de judaismo. É provavel, todavia, que em muitas partes o fanatismo tornasse synonimas as duas expressões.


Foram presos naquella villa onze individuos de ambos os sexos. Cada um delles devia , pagar-lhe quatorze mil reaes, somma que o sollicitador da Inquisição calculava ser necessaria para se transportarem ao logar em que, segundo as ordens do infante inquisidor-geral, deviam ser retidos.


Intimados judicialmente para apromptarem o dinheiro, resistiram todos, menos um pobre velho que jazia gravemente enfermo. Mandaram-se então inventariar e pôr em almoeda os bens dos réus, e estes foram removidos do castello de Miranda para o de Algoso, situado n'um ermo a meia legua da povoação deste nome. Gaspar Rodrigues, o velho enfermo, fôra ahi arrematante das rendas reaes.


O povo tinha-lhe má vontade, e os christãosnovos diziam que esta mudança era calculada para accender mais contra elle e contra os seus companheiros de infortunio a sanha popular. No castello de Miranda, construcção solida cingida por cinco torres alterosas, os simples ferrolhos dos alçapões do carcere respondiam pela segurança dos presos: no de Algoso, ruina de antiga fortificação, e longe do povoado, cumpria collocar guardas que obstassem a qualquer tentativa interna ou externa de evasão.


As tropas concelheiras, unicas que então havia, foram chamadas para aquelle serviço, e os factos vieram confirmar as previsões da gente da nação. As injurias das sentinellas ferviam sobre os encarcerados, e os camponezes mostravam para com Gaspar Rodrigues a mesma dureza de coração, que provavelmente elle lhes mostrára como exactor de tributos. A sua vingança estendia-se, porém, aos innocentes. Só a peso de ouro obtinham os presos os objectos mais necessarios á vida, o lume, a agua, os alimentos. Certo dia os guardas accenderam em frente da prisão uma grande fogueira e lançaram dentro um cão que ficou reduzido a cinzas. Era, diziam elles, o que haviam de fazer aos judeus que guardavam, antes que d'alli saissem. Entre estes havia uma Isabel Fernandes, mulher abastada, a quem Francisco Gil e o seu meirinho Pedro Borges tinham extorquido cem mil réis a pretexto de despezas de transito. Sem cama, sem uma camisa para mudar, a desgraçada chorava noite e dia. O esbirro offereceu-lhe então, não só confortos, mas até a liberdade se quizesse perfilhá-lo. Recusou. Redobraram os maus-tractos e carregaram-na de cadeias.

Vencida pela miseria e pela amargura a infeliz endoudeceu. Aos presos, que não lhe davam qualquer objecto que lhes pedia, trocava o malvado os grilhões por outros mais pesados, ou fazia-os descer a um logar profundo e humido, onde os deixava mettidos na agua. Gaspar Rodrigues, ferido já pelos ferros, leso de uma perna e a bem dizer semimorto, passou por ambos os martyrios. Francisco Gil accrescentava a estas barbaridades do seu meirinho uma singular extorsão: quando se lançavam ou augmentavam os grilhões aos presos, fazia-lhes pagar o custo delles. As pessoas que se dirigiam ao castello de Algoso para falar ás victimas, se acaso se demoravam mais tempo do que o permittido, impunha-lhes a multa de vinte mil reaes, e mandava-as expulsar d'alli, quando não as encarcerava1. Acaso as suas instrucções eram estas, e talvez a multa, fixada de antemão pelos inquisidores, não revertesse em seu beneficio. Fosse o que fosse, o que succedia era que ás vezes, a troco de alguns cruzados de peita, os colhidos na rede remiam a prisão e a multa. O espirito, porém, de violencia e de rapina dos dous agentes da Inquisição era tal, que elles proprios se tornavam ás vezes instrumentos indirectos da vingança das suas victimas.

1 O documento que seguimos diz que Francisco Gil multava quem vinha a Algoso, e que lhe impunha a pena de desterro: é evidente que estas expressões sío exaggeradas.

A rustica milicia da comarca de Miranda não desfructava gratuitamente o prazer de affrontar os presos de Algoso. Os lavradores tinham não só de velar o Castello, mas também de fazer roidas e vélas, ora num ora n'outro logar. Os indiciados de judaismo não se reduziam aos onze martyres transferidos para Algoso. As listas de réus eram extensas; as capturas multiplicavam-se; e os habitantes de qualquer aldeia que não iam dormir juncto do meirinho e dos outros esbirros, quando ahi chegavam com algum preso, eram severamente multados.


Herculano, Alexandre (1859), " Da origem e estabelecimento da inquisição em Portugal: Tentativa historica, Volume 3 (Google eBook)". Acedido a 2 de Fevereiro de 2011, http://books.google.pt/books?id=umwNAAAAYAAJ&pg=PA125&dq=Algoso&hl=pt-pt&output=text#c_top

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Romanceiro da Província de Trás-os-Montes (distrito de Bragança)

Cantado por Clementina da Assunção Afonso, de 47 anos de idade. Algoso (c. de Vimioso),n 31 de Julho de 1980


Juntaram-se as três comadres numa rua todas três;

uma dava o trigo, o vinho, e um cabrito dum mês.

Uma olhava pera a lua: - Oh que queijinho francês!

Estando elas nesta dança, chega o marido da Inês.

Palo numa, palo noutra, palo em todas as três.


Nota: Canta-se sarandilha entre os hemistíquios e sarandilh'andando, sarandilho és entre os versos.


Fontes, Manuel da Costa; Fontes, Maria-João Câmara (1987), " Romanceiro da Província de Trás-os-Montes (distrito de Bragança), Volume 1". Acedido a 30 de Janeiro de 2011, http://books.google.com/books?id=ylMixz_LcREC&pg=PA695&dq=Algoso&hl=pt-br&ei=MphFTevCKMbzsgbn6Yy7Dg&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=5&ved=0CDkQ6AEwBDgK#v=onepage&q=Algoso&f=false